O silêncio, tantas vezes meu irmão
nas trevas, faz-se agora sentir como uma espada em chamas cravada no
meu interior..
Eterno companheiro que busco sempre
antes de fechar os olhos ao dia, dilacera-me do interior, num castigo
perpétuo que pareço não saber quebrar. talvez nem o queira..ele
recorda-me do que é sentir, mesmo de armadura vestida, recorda-me
que fui eu quem baixou a guarda.. Fui eu quem estendeu a mão ao ser
que controla a espada.
Agora sangro, bem lá no interior, onde
não chego.
Nestas manhãs parece um contra senso
vestir a armadura para enfrentar o dia, já que a ameaça vem do meu
interior.. está em mim a fonte da minha dor e por pior que me sinta,
sou incapaz de culpar a mão que desferiu o golpe ou de me separar
dela, o tempo e as circunstâncias fazem-no por mim.
As palavras vou abandonando-as na
gaveta, vão-se acumulando as folhas cheias de pensamentos, dores e
tormentos. Deponho-as como a um defunto num cemitério, onde estas
vão para morrer.
De tempos a tempos, revisito as suas
lajes, dedico-lhes a minha atenção e choro a saudade, apenas para
depois as voltar a condenar à escuridão, à solidão.. nunca serão
proferidas, serão silêncio em mim, este que agora sinto em dor.
Rejeito o dia, não sou capaz de
enfrentar este calor quase enlouquecedor.. viajo-me durante a noite,
só aí sou, na escuridão, onde vagueio pelas cidades sem ser visto,
ou notado..sento-me num qualquer passeio e convido o silêncio a
acompanhar-me.. olho o dia nascer, a vida a voltar às ruas, rogo-lhe
pragas e procuro fugir da luz do sol que me queima olhos e pele..
Fica a memória, fica o arrependimento de tudo o que ficou por
dizer.. meu irmão, o silêncio.